sábado, 10 de maio de 2014

Condição das vadias



A única coisa que consola as vadias e os cafas de suas misérias é o divertimento, e, no entanto, é a maior das suas misérias.
Com efeito, é isso que as impede principalmente de pensar nelas. Sem isso, ficariam desgostosas e esse desgosto as levaria a procurar um meio mais sólido de sair dele. Mas, o divertimento nos alegra e impede de realizar uma auto-análise.
Nada é tão insuportável as vadias e cafagestes como estar em pleno repouso, sem paixão, sem ocupação, sem diversão, sem aplicação. Ele sente, então, o seu nada, o seu abandono, a sua insuficiência, a sua dependência, a sua impotência, o seu vazio. Incontinente, sairá do fundo de sua alma o aborrecimento, a melancolia, a tristeza, a aflição, a raiva, o desespero.
Como a natureza os torne sempre infelizes em todos os estados, os seus desejos nos figuram um estado feliz, porque juntam ao estado em que estamos os prazeres do estado em que não estão; e, quando chegam a esses prazeres, não seriam felizes por isso, porque tem outros desejos conformes a esse novo estado.
Se a sua condição fosse verdadeiramente feliz, não precisariam deixar de pensar para se tornarem felizes.
Qual é a condição existencial das vadias e cafagestes: se não estão se divertindo e ocupado com alguma paixão ou algum divertimento que impeça que o aborrecimento se espalhe, ficará logo aflito e infeliz. Sem divertimento, não há alegria; com o divertimento, não há tristeza. E também o que forma a felicidade das pessoas de grande condição é que têm uma porção de pessoas que as divertem e o poder de manter-se nesse estado.
Uma coisa intragável é a vadia querendo atrair fama.
E elas não se contentam com a vida que tem e seu próprio ser: querendo na ideia dos outros uma vida imaginária, e se esforçam por assim parecer.
As putas são tão presunçosas que desejariam ser conhecidas de toda a terra, e até das pessoas que vierem quando nela não estivermos mais; e são tão vãs que a estima de cinco ou seis pessoas que as cercam as diverte e às contenta.
O orgulho contrapesa todas as misérias. Ou as oculta, ou, se as descobre, glorifica-se de conhecê-las. Ele nos detém de uma posse tão natural no meio das nossas misérias, dos nossos erros, etc., que perdemos mesmo a vida com alegria, desde que se fale disso.
A natureza do amor-próprio e desse eu humano (que aparece nas putas e cafas) é não amar senão a si, e não considerar senão a si. Mas, que fará ele? Ele não saberia impedir que esse objeto que ama não seja cheio de defeitos e de misérias: quer ser grande e se vê pequeno: quer ser feliz e se vê miserável: quer ser perfeito e se vê cheio de imperfeições: quer ser o objeto do amor e da estima dos homens, e vê que os seus defeitos só merecem a sua aversão e o seu desprezo. Esse embaraço em que se acha produz nele a mais injusta e mais criminosa paixão que é possível imaginar-se; pois concebe um ódio mortal contra essa verdade que o repreende e o convence dos seus defeitos. Desejaria aniquilá-la e, não podendo destruí-la em si mesma, ele a destrói, tanto quanto pode, no seu conhecimento e no dos outros; isto é, põe todo o seu cuidado em ocultar seus defeitos aos outros e a si mesmo, e não pode tolerar que o façam vê-los, nem que os vejam.