quarta-feira, 2 de maio de 2012

A Mente de um hedonista e Libertino



Um Pouco da história do hedonismo 


O hedonismo é uma teoria ou doutrina filosófico-moral que afirma ser o prazer o supremo bem da vida humana. Surgiu na Grécia, e importantes representantes foram Aristipo de Cirene e Epicuro. O hedonismo filosófico moderno procura fundamentar-se numa concepção mais ampla de prazer entendida como felicidade para o maior número de pessoas. O significado do termo em linguagem comum, bastante diverso do significado original, surgiu no iluminismo e designa uma atitude de vida voltada para a busca egoísta de prazeres materiais.

Aristipo de Cirene, contemporâneo de Sócrates, é considerado o fundador do hedonismo filosófico. Ele distinguia dois estados da alma humana, o prazer (movimento suave do amor) e a dor (movimento áspero do amor). Segundo ele o prazer, independentemente da sua origem, tem sempre a mesma qualidade e o único caminho para a felicidade é a busca do prazer e a diminuição da dor. Ele afirma inclusive que o prazer corpóreo é o próprio sentido da vida. Outros defensores do hedonismo clássico foram Teodoro de Cirene e Hegesias de Cirene. Julien Offray de La Mettrie, iluminista francês, atualizou o hedonismo e seu discípulo, Donatien Alphonse François de Sade, o Marquês de Sade, radicalizou-o, transformando-o em amoralismo, tranformando o ideal de "serenidade" em "frieza" diante de outras pessoas.
A ética de Julien Offray de La Mettrie foi elaborada em Discours sur le bonheur, La Volupté, e L'Art de jouir, que no fim da vida se encontra nos prazeres dos sentidos, e a virtude é reduzida ao amor-próprio. O ateísmo é o único meio de assegurar a felicidade do mundo ou o que restou dele, impossíbilitado pelas guerras ocasionadas por teólogos, sob a desculpa da não existência de uma "alma". Quando a morte vem, a farsa acaba, portanto deixa-nos aproveitar os prazeres da vida enquanto podemos.
O Marquês de Sade, que além de escritor e dramaturgo, foi também filósofo de ideias originais, baseadas no materialismo do século das luzes e dos enciclopedistas. Lido enquanto teoria filosófica, "o romance de Sade oferece um sistema de pensamento que desafia a concepção de mundo proposta pelos dois principais campos filosóficos no contexto da França pré-republicana: o religioso e o racionalista". Sade era adepto do ateísmo e era caracterizado por fazer apologia ao crime e a afrontas à religião dominante, sendo, por isso, um dos principais autores libertinos - na concepção moderna do termo. Em suas obras, Sade, como livre pensador, usava-se do grotesco para tecer suas críticas morais à sociedade urbana. Evidenciava, ao contrário de várias obras acerca da moralidade - como por exemplo o "Princípios da Moral e Legislação" de Jeremy Bentham- uma moralidade baseada em princípios contrários ao que os "bons costumes" da época aceitavam; moralidade essa que mostrava homens que sentiam prazer na dor dos demais e outras cenas, por vezes bizarras, que não estavam distantes da realidade. Em seu romance 120 Dias de Sodoma, por exemplo, nobres devassos abusam de crianças raptadas encerrados num castelo de luxo, num clima de crescente violência, com coprofagia, mutilações e assassinatos - verdadeiro mergulho nos infernos. Duas personagens criadas por Sade foram suas idéias fixas durante décadas: Justine (que se materializou em várias versões de romance, ocupando muitos volumes), a ingênua defensora do bem, que sempre acaba sendo envolvida em crimes e depravações, terminando seus dias fulminada por um raio que a rompe da boca ao ânus quando ia à missa, e Juliette, sua irmã, que encarna o triunfo do mal, fazendo uma sucessão de coisas abjetas, como matar uma de suas melhores amigas lançando-a na cratera de um vulcão ou obrigar o próprio papa a fazer um discurso em defesa do crime para poder tê-la em sua cama. As orgias com o papa Pio VI em plena Igreja de São Pedro, no Vaticano, fazem parte da trama sacrílega e ultrajante do romance Juliette, com a fala do pontífice transformada em agressivo panfleto político: A Dissertação do Papa sobre o Crime. Sade tinha o costume de inserir panfletos políticos-filosóficos em suas obras. O panfleto Franceses, mais um Esforço se Quiserdes Ser Republicanos, que prega a total ruptura com o cristianismo, foi por ele encampado a peça A Filosofia na Alcova (Preceptores Morais), no qual um casal de irmãos e um amigo libertino "educam" a jovem Euginè para uma vida de libertinagem, mostrando-lhe aversão aos dogmas religiosos e costumes da época.

Um livro símbolo do hedonismo
Um dos melhores livros que trata do hedonismo e do libertinismo é O Retrato de Dorian Gray de Oscar Wilde. No livro Lord Henry Wotton, um aristocrata cínico e hedonista típico da época e grande amigo de Basil, conhece Dorian e o seduz para sua visão de mundo, onde o único propósito que vale a pena ser perseguido é o da beleza e do prazer.

Vejam o discurso de Lord Henry no segundo capítulo:

 "- Pois não, não pensa assim agora. Um dia, quando for velho, enrugado e feio, quando o pensamento lhe tiver sulcado a fronte de rugas, e a paixão, com suas chamas medonhas, lhe tiver crestado os lábios, sentirá então uma impressão terrível. Agora, aonde quer que vá, consegue seduzir todas as pessoas. Mas será sempre assim? Tem um rosto de beleza deslumbrante, Mr. Gray. Não precisa de fazer esse ar tão contrariado. É verdade. E a Beleza é uma forma de Gênio, sendo mesmo superior ao gênio, pois não necessita de ser explicada. Ela faz parte dos grandes elementos do universo, como a luz do sol, a Primavera, ou o reflexo nas águas noturnas, dessa concha de prata a que chamamos lua. Não pode ser contestada. Tem o direito divino de um soberano. Transforma em príncipes os que a possuem. Sorri? Ah, quando a tiver perdido, deixará de sorrir... Por vezes, ouve-se dizer que a Beleza é apenas superficial. Talvez seja. Mas, ao menos, não é tão superficial como o Pensamento. Considero a Beleza a maravilha das maravilhas. Só os fúteis não julgam pelas aparências. O verdadeiro mistério do mundo é o visível, e não o invisível. Sim, Mr. Gray, os deuses foram-lhe favoráveis. Mas os deuses dão agora, para tirar depois. O senhor tem tão-somente alguns anos para poder viver a vida em real plenitude. Quando a mocidade se for, com ela irá a sua beleza, e, então, cedo descobrirá que não lhe restaram êxitos, ou terá que se contentar com os êxitos insignificantes, que a lembrança do passado tornará mais amargos do que às derrotas. À medida que os meses vão minguando, eles vão-no aproximando de algo terrível. O tempo tem ciúmes de si, e faz guerra à primavera dos seus anos. Então, ficará com a pele macilenta, as faces encovadas e o olhar mortiço. Irá sofrer tormentos... Ah! Tome plena consciência da sua juventude enquanto a possuir. Não esbanje o ouro dos seus dias a dar ouvidos a gente maçadora que tenta aproveitar o fracasso irremediável, nem perca o seu tempo com os ignorantes, os medíocres e os boçais. São esses os objetivos doentios, os falsos ideais dos nossos dias. Viva, viva a vida maravilhosa que existe em si! Não desperdice nenhuma oportunidade, procure sempre novas sensações. Não tenha medo de nada... Um novo Hedonismo - eis o que faz falta ao nosso século. O senhor podia ser o seu símbolo vivo. Com essa sua personalidade, não existe nada que não possa fazer. O mundo pertence-lhe por um determinado tempo... No mesmo instante em que o conheci, Mr. Gray, vi que o senhor não tinha consciência da sua verdadeira natureza, nem do que poderia ser. Havia em si tantas coisas que me fascinaram, que achei que devia falar-lhe de si. Pensei que seria muito trágico se se fosse perder. É que é tão breve o tempo de duração da sua mocidade... tão breve. As vulgares flores silvestres fenecem, mas voltam a florir. Este laburno estará tão amarelo em Junho do ano que vem como está agora. No espaço de um mês, a clematite ficará coberta de estrelas cor de púrpura, e, ano após ano, a noite verde das suas folhas vai segurar as mesmas estrelas avermelhadas. Mas nós nunca recuperamos a nossa mocidade. O pulsar de alegria, que em si lateja aos vinte anos, perde o vigor. Os nossos membros tornam-se débeis, os sentidos definham. Vamos degenerando até nos transformarmos em fantoches hediondos, perseguidos pela lembrança das paixões que tanto temíamos, e das requintadas tentações a que não tínhamos coragem de ceder. Ah, juventude... juventude! Não há absolutamente mais nada no mundo senão a juventude." 

Reflexões de Sêneca
O hedonista é um ser totalmente materialista, sua felicidade está ligada aos sentidos, como escravos deles.

 Sêneca em seu livro Da Vida Feliz, não receando a impopularidade nem convenções de demagogos, recomenda que não se perca demasiado tempo com a populaça nem se dê demasiada atenção às cismas irracionais das maiorias: “Para atingir a felicidade é necessário evitar a multidão e abandonarmos a ideia de que o melhor está ligado ao maior número […] a multidão toma posição contra a razão […] a opinião da multidão é indício do pior”. Ao dizer “procuremos aquilo que é melhor e não o que é mais comum” não esconde o seu grandíssimo desprezo pela quantidade em detrimento da qualidade. Este sapiente latino via-se como um sábio imperfeito: "Eu elogio a vida, não a que levo, mas aquela que sei dever ser vivida." Os afetos (como relutância, vontade, cobiça, receio) devem ser ultrapassados, o objetivo não é a perda de sentimentos, mas a superação dos afetos. A sua sabedoria consiste em cultivar a força da vontade para colocar a felicidade na virtude e não nos acasos da fortuna, “a verdadeira felicidade está na virtude”, diz-nos. A felicidade, móbil para todos os homens, só pode resultar, da harmonia com a natureza, “a vida feliz é uma vida conforme à sua própria natureza”, assim, Sêneca condena os modos antinaturais de vida, que podem proporcionar prazer momentâneo, mas nunca a realização pessoal. O culto da mediocridade também não agrada pois a promoção da fraqueza, do coitadinho, do desintegrado, pode potenciar uma violência incalculável, “a crueldade vem sempre da fraqueza” infere Sêneca. A solução para o mal que existe no mundo reside na ordem, e no incondicional cumprimento do dever “o homem feliz pratica aquilo que é honesto e contenta-se com a virtude, o seu prazer está no desprezo dos prazeres […] a vida feliz tem por fundamento imutável um juízo reto e firme”.

O filósofo romano condena ainda a inveja, o consumismo, e a extrema ambição ao dizer “é feliz aquele que ama aquilo que tem”. O bem não pode coincidir com o prazer, como agora nos querem convencer, e lembra que “aqueles que fazem do prazer o soberano bem, sabem muito bem o lugar vergonhoso em que o colocaram […] A virtude existe muitas vezes sem o prazer e nunca tem necessidade dele”. O vício, também agora inculcado às massas embrutecidas, já na Roma Antiga era condenado por Sêneca: “as virtudes devem estar onde reinam a harmonia e a unidade, os vícios onde imperam as dissensões”. O prazer vem da retidão “o sábio nada faz para obter o prazer, o prazer vem sem ser chamado”, e a liberdade é tão simples, nada tem a ver com a liberdade para a transgressão e para o parasitismo trazida pelos socialismos, e ensina Sêneca:”nascemos num reino: ser livre é obedecer a Deus”. Para Sêneca, o destino é inexorável. O homem pode apenas aceitá-lo ou rejeitá-lo. Se o aceitar de livre vontade pode ser feliz. Contudo muitos homens desperdiçam seu tempo com bebidas, mulheres, diversões fugazes e quando se dão conta a vida já passou. A vida, se bem empregada, é suficientemente longa. Por isso, Sêneca pregava a superação das paixões e dos desejos. Ele lamentava que muitos homens desperdiçassem seu tempo com coisas inúteis. “A insaciável ganância domina um, outro, desperdiça sua energia em trabalhos supérfluos, um encharca-se de vinho, outro fica entorpecido pela inércia, um está sempre preocupado com a opinião alheia, outro, por um irreprimido desejo de comerciar, é levado a explorar terras e mares na esperança de obter lucro. (…) há aqueles que, voluntariamente, se sujeitam à ingrata adulação dos superiores. Também há os que se ocupam invejando o destino alheio e desprezando o seu próprio”. Todos esses comportamentos, segundo Sêneca, geram apenas desgostos e sofrimento. É comum no dia-a-dia depararmo-nos com pessoas que todo mês gastam seu dinheiro no shopping, ou gastam com jogos, bebidas ou mulheres numa eterna compulsão. São pessoas infelizes que procuram aliviar suas tensões e sofrimentos em algum vício. Os vícios sufocam os homens deixando-os embriagados e obscurecem a verdade. Eles tornam-se incapazes de voltar-se para si mesmo. Seus espíritos estão de tal modo presos as paixões que são incapazes de achar a tranqüilidade e tudo que conquistam torna-se pesado. As paixões pelo dinheiro, pela fama e por mulheres apenas demonstram o espetáculo patético do sofrimento humano “As riquezas são pesadas para muitos! A preocupação com a eloqüência e a necessidade de mostrar talento tirou o sangue de muitos! Outros enfraqueceram devido a uma vida de libertinagem!”. 

Dessa forma, Sêneca nos incita a superar os afetos como a cobiça, a ira, à vontade, os desejos e conquistar a paz e a tranqüilidade. Em seu livro “Da tranqüilidade da alma” Sêneca também ensina-nos como devemos agir na infelicidade. Para ele todos nós estamos ligados a sorte. Para uns a escravidão é suave e leve, já para outros é pesada e sofrível. Mas nada disso importa. O que importa é que todos nós somos eternos prisioneiros. Aqueles que exploram o próximo, também serão explorados. Aqueles que causam dor, também sentirão dor. Uns estão presos ao dinheiro, outros a pobreza, uns aos bajuladores, outros a fama e outros ao poder. Toda vida é uma escravidão. Ninguém está salvo e não adianta reclamar. É preciso não deixar as oportunidades que a vida oferece escapar. Mesmo que o sofrimento seja descomunal, sempre a vida oferece algum consolo. Sêneca nos ensina que devemos superar as dificuldades apelando à razão. Através da razão podemos abrandar o que era pesado, alargar o que era apertado, e os fardos tornar-se-ão mais leves sobre os ombros que saberão suportá-los.

3 comentários:

  1. Uma verdadeira liçãode Filosofia.. Parabens!!

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  2. Parabéns. Ótimo post sobre o hedonismo, justamente o que procurava...

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    1. Obrigado.É muito importante saber da fragilidade dos prazeres físicos e que eles vem acompanhados de sofrimento emocional. Tanto que hj exste pessoas que se entregam as drogas para continuar numa felicidade ilusória, quando ela existe numa vida equilibrada e sem sofrimento.

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